domingo, 2 de maio de 2010

O Conselho Tutelar e a fiscalização de bailes, boates e congêneres:


Uma questão que sempre surge quando se discute o papel do
Conselho Tutelar no “Sistema de Garantias” idealizado pela Lei nº 8.069/90 para
plena efetivação e proteção integral dos direitos infanto-juvenis, diz respeito à
fiscalização, por parte do órgão, da presença de crianças e adolescente em
“bailes, boates e congêneres”, em desacordo com as disposições de portarias
judiciais expedidas para regulamentar o acesso a tais locais, nos moldes do
disposto no art. 149, inciso I, do citado Diploma Legal.
Tal atividade “fiscalizatória”, por vezes, acaba sendo “exigida”
e/ou “imposta” por parte da autoridade judiciária ou Ministério Público, e não raro
é exercida de forma absolutamente equivocada, num total desvirtuamento da
atuação do Conselho Tutelar como órgão de defesa dos direitos infanto-juvenis
que é.
Há relatos de conselheiros tutelares que passam a atuar como
“porteiros” dos estabelecimentos comerciais ou locais de eventos, controlando o
acesso e conferindo a identidade daqueles que adentram o recinto, e casos nos
quais, uma vez constatada a presença de crianças e adolescentes em
desacordo com a portaria judicial, ou consumindo bebidas alcoólicas, são estes
retirados à força do local, não raro com o uso de violência ou com a exposição
do “destinatário da medida” a uma situação vexatória e constrangedora perante
os demais freqüentadores do evento.
Desnecessário dizer que estas e outras práticas assemelhadas
não devem ser levadas a efeito pelo Conselho Tutelar, que não é um órgão de
segurança pública2 e, muito menos, uma espécie de “polícia de criança”,
encarregado da “repressão” aos eventuais “desvios de conduta” praticado por
crianças e adolescentes.
Isto não significa, no entanto, que o Conselho Tutelar não
detenha o chamado “poder de polícia” (inerente a diversas autoridades públicas
investidas de atribuições específicas, como é o caso, por exemplo, da “vigilância
sanitária” em relação às infrações praticadas por estabelecimentos que
comercializam alimentos) e/ou a atribuição de combater possíveis violações de
direitos de crianças e adolescentes onde quer que estas estejam ocorrendo (o
que logicamente inclui estabelecimentos comerciais ou festividades em geral),
em razão do contido no art. 131, da Lei nº 8.069/90, verdadeira “atribuição
primeira” do órgão.
A atividade fiscalizatória do Conselho Tutelar em locais onde se
encontram crianças e adolescentes decorre de disposições explícitas, como é o
caso do disposto no art. 95, da Lei nº 8.069/90, bem como de outras implícitas,
como aquela decorrente da combinação dos arts. 131, 194 e 258, todos do
mesmo Diploma Legal.
1 Promotor de Justiça no Estado do Paraná (murilojd@mp.pr.gov.br).
2 Os órgãos de segurança pública estão expressamente relacionados no art. 144, da
Constituição Federal.
Com efeito, não haveria sentido em dotar o Conselho Tutelar da
atribuição de oferecer representação à autoridade judiciária quando da
constatação de violação às normas de proteção relativas ao acesso e
permanência de crianças e adolescentes em locais de diversão, se a atividade
fiscalizatória de tais locais não fosse inerente às atribuições do órgão3.
Vale observar, no entanto, que tal atividade, além de ser
comum ao Conselho Tutelar, Ministério Público e Poder Judiciário (inclusive no
que diz respeito à atuação do Comissariado de Vigilância da Infância e da
Juventude), não tem por objetivo “flagrar” crianças e adolescentes em “bailes,
boates ou congêneres...” ou festividades, na perspectiva de sua “repressão”,
mas SIM constatar a possível violação de seus direitos por parte dos
proprietários de estabelecimentos/organizadores dos eventos e seus prepostos
(e é contra estes - proprietários e prepostos - que deve recair a atuação
repressiva Estatal).
A atuação do Conselho Tutelar (e dos demais integrantes do
“Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”) deve sempre
ser direcionada “em prol” da criança/adolescente, pois afinal, a interpretação e
aplicação de todo e qualquer dispositivo contido na Lei n° 8.069/90 deve ocorrer
no sentido de sua proteção integral, tal qual preconizado pelos arts. 1° e 6° c/c
100, par. único, inciso II, da Lei nº 8.069/90.
Assim sendo, se houver mera suspeita de que determinado
estabelecimento (como uma boate), está sendo responsável pela violação dos
direitos de crianças e adolescentes (o que pode ocorrer desde a simples
permissão de seu acesso ao local, em desacordo com uma Portaria Judicial
regulamentadora, à sua utilização como “ponto” para exploração sexual, por
exemplo), cabe ao Conselho Tutelar (assim como ao Ministério Público, ao
Poder Judiciário, e aos demais integrantes do referido “Sistema de Garantias”)4,
agir no sentido da repressão dos responsáveis pela violação, que devem ser
punidos na forma da lei (cf. art. 5°, da Lei nº 8.0 69/90), devendo ser colhidas as
evidências necessárias (notadamente os nomes, idades e endereços das
crianças/adolescentes, nomes de seus pais ou responsável e de testemunhas
do ocorrido, dentre outras), e deflagrado, por iniciativa do próprio Conselho
Tutelar, o procedimento judicial para apuração da infração administrativa
prevista no art. 258, da Lei nº 8.069/90 (sem prejuízo de eventual provocação do
Ministério Público no sentido da apuração de outras infrações5).
Vale repetir que a mencionada repressão não deve recair
contra as crianças e adolescentes eventualmente encontrados no
estabelecimento, em desacordo com a portaria judicial ou mesmo ingerindo
bebidas alcoólicas, que devem ser convidados - jamais obrigados - a deixar o
local (se necessário, o Conselho Tutelar deve acionar os pais ou responsável,
para que estes se dirijam ao local e apanhem seus filhos6).
3 Sendo certo que, por regras básicas de hermenêutica jurídica, considera-se que “a lei não
contém palavras inúteis” e “deve ser sempre interpretada de forma lógica/teleológica”.
4 E em última análise, a todos, dado disposto no art. 70, da Lei nº 8.069/90, que abre o capítulo

Fonte: Murillo José Digiácomo

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