domingo, 12 de dezembro de 2010

Um novo Começo

Foto: Camila de Souza

Antonio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e participou da comissão de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente
por Antônio Carlos Gomes da Costa

Quase a totalidade da mídia nacional saudou com esperança e confiança os últimos acontecimentos do Estado do Rio de Janeiro no combate ao crime organizado, principalmente na área referente ao tráfico de drogas. Esse, a nosso ver, é apenas o primeiro passo – não de uma corrida de 100 metros rasos, mas de uma maratona que exigirá constância de propósito, paciência e coerência na condução das ações.

A retomada dos terrenos apropriados pelos traficantes é, sem dúvida alguma, importante e decisivo passo. A etapa seguinte é a ocupação das áreas baldias deixadas pelas demais políticas públicas praticamente nas mãos do crime organizado. A Rede Municipal de Ensino do município do Rio de Janeiro conta com mais de 150 escolas nas chamadas áreas conflagradas, isto é, dominadas por delinquentes adultos auxiliados por seus congêneres juvenis. A superação desse quadro exige um conjunto ordenado e articulado de ações entre a União, Estado e Município e entre Estado e Sociedade.

À sociedade, além dos importantíssimos programas de atendimentos de solidariedade social a crianças, adolescentes e jovens, cabe o incremento da prática da denúncia anônima, expediente ao alcance de qualquer cidadão minimamente informado sobre a importância do que vem acontecendo no Rio de Janeiro, não só para a população fluminense, mas para o Brasil como um todo.

Após a instalação, reiteração e retomada do controle dos serviços públicos pelo Estado, a medida mais importante será desencadear um processo sólido de pedagogia social (mídia, educação e socioeducação), visando à implantação de uma cultura de paz, que tenha abordagem e método na resolução pacífica de conflitos.

No que se refere ao atendimento aos adolescentes em conflito com a lei a quem foram aplicadas medidas socioeducativas de PSC (Prestação de Serviço a comunidade) e LA (Liberdade Assistida), cabe formar (em agentes educativos), capacitar (em estabelecimentos especializados como a Escola Paulo Freire de Gestão Socioeducativa do DEGASE/RJ) e treinar em serviço (nas unidades de atendimento) funcionários capazes de compreender, aceitar e praticar a letra e o espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Aos Conselhos de Direitos, cabe traçar os planos de ação nacional, estaduais e municipais para tirar do papel o sistema de defesa de direitos. O SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) é o grande instrumento para realização desses propósitos. Aos Conselhos Tutelares, no dia-a-dia, cabe receber, estudar e encaminhar os casos a serem atendidos pelos CREAS. Aos CREAS, por sua vez cabe o papel de coordenar e integrar as ações das Redes Locais de Atendimento.

O conjunto de conhecimentos requeridos para o exercício de todas essas funções podem ser resumidos num pequeno conjunto de conteúdos, que, se bem articulados em termos intelectuais (interdisciplinares) e bem aplicado em termos prático–operacionais (interprofissionais) serão capazes de gerar uma capacidade inovadora, convergente e sinérgica.

A diferença entre o interdisciplinar e o interprofissional é que o primeiro é uma categoria de natureza acadêmica. Isso se refere ao processo de produção, acumulação e difusão de conhecimentos. Já o trabalho interprofissional refere-se à aplicação dos conhecimentos adquiridos ao cotidiano do trabalho nos campos da produção de bens e de serviços. Precisamos compreender na teoria e na prática essa distinção, pois muitos serviços sociais de natureza governamental e não governamental acabam se transformando em centros de discussão de uma determinada problemática e não em formuladores e executores de estratégias de intervenção sobre elas. Essa é uma realidade que é preciso e possível mudar e depende da capacidade de cada um de nós mudarmos a nossa postura ética, profissional, social e política diante deste quadro.

O Brasil tem muitas condições para reverter o presente quadro e já começamos a dar os primeiros passos no sentido de fazê-lo. Só assim, poderemos atravessar de cabeça erguida as nove décadas que nos separam do início do século XXII. Pouco adianta chegarmos a ser a quinta maior economia do mundo e nos posicionarmos em 73º lugar em termos de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD). Essa distância reflete descompromisso ético, falta de vontade política e incompetência técnica. Não podemos mais continuar aceitando o inaceitável. É preciso usar a Constituição, as Leis para trabalhar e lutar em favor dos direitos da população que subsiste na subcidadania, principalmente as crianças, adolescentes, jovens e suas famílias.